O corno putativo
Acreditava que sua esposa o traía. E por acreditar que sua esposa o traía, comportava-se como se ela de fato o traísse. E por se comportar como se sua esposa o traísse, seus amigos acabaram por acreditar que ela de fato o traía. Tinha-se por corno, comportava-se como corno, era visto como corno: era, para todos os efeitos, um corno. Um corno putativo. Começou naquela tarde em que flagrara sua esposa, o amor de sua vida, a papear com um bonitão num discreto café da cidade; e um papo animado, empolgado, do qual ele, o marido, nutria saudades. Descobriu então que a esposa e o bonitão seguiam-se mutuamente nas redes sociais: ele curtia todas as fotos dela, e ela, as dele. O marido sequer desconfiava, mas, àquela altura, estava já infectado pelo vírus do ciúme. Sua esposa não gozava mais da proporção quadril-cintura ideal, mas continuava atraente, desejável, trazendo muito do viço da juventude; e o bonitão era um sedutor vocacionado: moreno, alto, encorpado, assaz eficiente em seus cuidados com a imagem. Deu-se assim o marido a ruminar, dia a dia, a semente da dúvida, e sabemos bem que nada de bom advém de uma mente ruminante. Certa noite uma cena inusitada lhe assaltou o sonho: sua mulher a mergulhar lascivamente no corpo do rival, nadando nele a braçadas desesperadas. Despertou abruptamente, buscando ar, constrangido por uma inconveniente excitação. Decidiu faltar ao trabalho aquele dia. Haveria de seguir a espertinha de perto. Ocultara na bolsa dela um rastreador que, todavia, nada revelara de incomum em seu cotidiano. O flagrante exigiria trabalho de campo. E assim foi. Cumpria a esposa a rotina usual, embora demonstrasse uma faceirice incomum, uma graça que despertava no marido fluxos extras de ultraje: ela saltitante, descontraída, ele a torturar a si mesmo qual um Dom Casmurro. Quanta humilhação! Eis que lá estavam os dois, sua amada e o suposto amante, atados num longo abraço à saída da academia de ginástica: uma traição às claras, ostensiva, descarada. Saltando do carro qual um detetive a caçar um assassino, avançou decididamente em direção à mulher, que naquele instante descia a rua, sozinha: “Podes me dizer quem era aquele bonitão?” Dos olhos do marido chispavam a cólera do ciúme mesclada ao medo da verdade. “Aquele bonitão é o namorado do meu irmão”, respondeu a mulher, maliciosamente, enquanto acariciava o rosto desfigurado do marido. Seguiu-se então o repertório de clichês de estilo: o homem de joelhos, meio aliviado, meio envergonhado, abraçado ao ventre da esposa a implorar o seu perdão. Amaram-se aquela noite como se houvessem renovado os votos. Pela manhã, ainda em baby-doll, a esposa, agora redimida, acompanhou o marido ao elevador, despediu-se dele com um beijo honesto, desejou-lhe bom trabalho; ao voltar, notou a porta de sua vizinha entreaberta, convidativa. “Hoje não: ele anda ressabiado.”