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Pedro Lemos

Pedro Lemos

O Apanhador no Campo de Centeio

Romances de formação têm por vocação explorar o processo de amadurecimento do ser humano, estimulando os adolescentes a enfrentarem questões essenciais à vida adulta. Alguns focam em temas específicos: “Os Sofrimentos do Jovem Werther” aborda a dor psicológica resultante de um amor não correspondido (quase um clichê em se tratando de jovens da nossa espécie); “Capitães de Areia” explora os aspectos sociológicos que circundam a pobreza infantil (abandono, fome, violência e injustiça social); “Pollyanna” busca passar uma mensagem de otimismo face às inevitáveis dificuldades da vida, ressaltando a importância da empatia, da bondade e da generosidade na sociedade. Outros são mais generalistas, abarcando uma gama variada de assuntos. E nesta seara, o destaque vai para “O Apanhador no Campo de Centeio”. Nos três dias que leva para ir do internato à casa de seus pais, o protagonista, um adolescente da alta classe novaiorquina, enfrenta questões como dúvida existencial e incerteza quanto ao futuro; literatura (“O que me derruba mesmo é um livro que, quando você acaba de ler, você queria que o escritor fosse teu amigo de verdade”); adaptação escolar e sistemas pedagógicos; narcisismo (“Só porque eles são doidos por si próprios, acham que você também é doido por eles”), traumas, pânico, luto e sofrimento psicológico, incluindo depressão, ansiedade e possível bipolaridade (“Você está falando de ir num psicanalista e tal?”); valores morais e liberdades individuais (“Acho que se você não gosta de verdade da menina, você não devia ficar fazendo bobeira com ela”); preconceito, intolerância, honra e hipocrisia (“Você veja lá uma pessoa que chora a dar com o pau com essas coisas fajutas dos filmes, noventa por cento de chance dela ser uma filha da puta no fundo do coração”); sexualidade, homossexualidade, fetiches, assédio e ciúmes (“Ele dizia que você podia virar desmunhecado praticamente da noite pro dia”); dilemas religiosos, ateísmo e livre pensamento (“Pra começo de conversa, eu sou meio ateu. Eu gosto de Jesus e tal, mas o resto da Bíblia não me interessa muito”); querelas políticas e lutas de classe (“Tudo o que eu tinha era burguês pra diabo”). O crítico literário terá à sua disposição praticamente todas as abordagens reconhecidas pela teoria da literatura a fim de fundamentar sua análise. Além da pluralidade temática, “O Apanhador no Campo de Centeio” é particularmente interessante aos jovens em razão da prosa adotada pelo autor, que, tomando um adolescente como narrador, vê-se obrigado a emular o dialeto utilizado pela juventude daquela geração (a dar um trabalho a mais aos tradutores quando da adaptação da obra no tempo e no espaço). Políticos, magistrados e religiosos têm especial fetiche por romances de formação, não faltando exemplos de censura a obras que, supostamente, corromperiam a mocidade. Trata-se, a meu ver, de uma mera demonstração narcisística de poder. Não há nada mais incentivador e gratificante a um jovem do que violar as proibições dos adultos. “O Apanhador no Campo de Centeio” antecipa essa discussão ao mostrar adolescentes a beber, a fumar, enfim, a fazer tudo aquilo que pais, professores, sacerdotes, políticos e juízes lhes dizem para não fazer. Há quem interprete isso como incentivo, mas sejamos honestos: a insubordinação e o experimentalismo adolescente não apenas são uma realidade como fazem parte do processo de amadurecimento.

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