Aluga-se um amigo
Estou de mudança em definitivo. Dessas mudanças em que levamos gatos e sapatos. Outra cidade, outro país. Há que se desmanchar uma vida inteira, desfazer-se de móveis e imóveis, a casa com tudo dentro, incluindo itens de inestimável valor emocional. O mais difícil, todavia, é deixar os amigos. Enfrentar seus olhos cabisbaixos diante da notícia é particularmente doloroso. Aqueles casados, agraciados com numerosos familiares, sofrem menos (quando não veem na distância uma oportunidade para viajar com a desculpa de matar a saudade). Mas há aqueles amigos solitários, órfãos, tímidos, introspectivos, que não costumam responder bem à separação. Pois tenho um desses. Trata-se, à primeira vista, de um Zé Ninguém, um de tantos pacatos cidadãos que cruzam diariamente conosco. Mas atentando aos detalhes técnicos do produto, conclui-se que é de excelente qualidade. Cultura enciclopédica, neutralidade política, idoneidade moral, doutorado em nerdologia e ecletismo musical são alguns de seus atributos. Goza de pouca sensibilidade poética, é verdade. E não é nem bonito, nem popular. É como um banco sem encosto numa praça sem árvores. Mas é um bom banco, cumprindo adequadamente as funções às quais a natureza o forjou. Numa tarde vadia, de céu nublado, pode render boas reflexões (não estou aqui a sugerir que sentar-se, literalmente, no indivíduo, seja capaz de despertar enlevos filosóficos: há que se interpretar adequadamente a metáfora). Os interessados em alugar este amigo, façam a gentileza de manifestar interesse na caixa de comentários (atentando ao fato de que essa história é fictícia).